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13 outubro, 2010

A necessidade de magia na criança.

Tanto os mitos como os contos de fadas respondem às eternas perguntas: "o que é o mundo verdadeiramente? Como vou eu viver a minha vida nele? Como poderei ser verdadeiramente eu próprio?" As respostas dadas pelos mitos são definitivas, enquanto o conto de fadas é meramente sugestivo; as suas mensagens podem insinuar soluções sem nunca as relatar. os contos de fadas deixam à fantasia da criança a decisão se deve (ou como deve) aplicar a si própria o que a história revela sobre a vida e a natureza humana.

O conto de fadas procede de uma forma que se conforma com a maneira de pensar da criança e com aquilo por que ela vive. e é por isso que o conto de fadas é para ela tão convincente. Ela pode obter muito mais conforto de um conto de fadas do que dos esforços intelectuais e racionais dos adultos para a tranquilizarem. A criança confia no que dizem os contos de fadas porque o mundo destes está de acordo com o seu.

Seja qual for a nossa idade, só uma história que seja conforme com os princípios subjacentes ao nosso pensamento tem força para nos convencer. Se isso é assim para os adultos, que aprenderam a aceitar que há mais de um quadro de referência para se compreender o mundo - se bem que achemos difícil, senão impossível, compreendermos verdadeiramente outros quadros diferentes dos nossos -, isso é particularmente verdadeiro para a criança. A sua maneira de pensar é animista*.

Para a criança não há uma linha divisória clara a separar os objectos das coisas vivas; e o que quer que tenha vida tem uma vida muito parecida com a nossa. Se não entendemos o que o que as rochas, as árvores e os animais têm para nos dizer, é porque não estamos suficientemente harmonizados com eles. À criança que tenta compreender o mundo parece-lhe razoável esperar respostas dos objectos que aguçam a sua curiosidade. E, como é egocêntrica, espera que o animal fale de coisas que sejam realmente significativas para ela, como os animais dos contos de fadas, do mesmo modo que a própria criança fala com os seus animais reais ou os brinquedos. A criança está convencida de que o animal compreende e sente com ela, apesar de o não mostrar abertamente.

Como os animais vagueiam livremente pelo mundo, é natural que estes animais possam guiar o herói na sua demanda, que os leva a locais distantes. Como tudo o que se move está vivo, a criança pode acreditar que o vento possa falar e levar o herói para onde pretende ir. Para o pensamento animista, não são apenas os animais que sentem e pensam como nós, mas até as próprias pedras estão vivas; ser transformado em pedra significa simplesmente que se tem de permanecer silencioso e imóvel por algum tempo. Pela mesma lógica, é inteiramente aceitável que objectos, anteriormente silenciosos comecem a falar, a dar conselhos e a juntar-se ao herói nas suas digressões.

Quando as crianças, como os grandes filósofos, procuram as soluções para as grandes perguntas da vida – “quem sou eu? Como devo ocupar-me dos problemas da vida? O que é que eu vou ser na vida? – fazem-no com base no seu pensamento animista. Mas como a criança está insegura daquilo em que consiste a sua existência, surge a pergunta: Quem sou eu?”

Os contos de fadas fornecem as respostas a estas prementes questões, de muitas das quais a criança só toma consciência à proporção que vai seguindo os contos.

Psicanálise dos contos de fadas
Bruno Bettelheim
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*Animismo: a criança atribui características humanas a seres inanimados. Este animismo vai desaparecendo progressivamente e aqui salienta-se a importância do papel do adulto, na medida em que, a partir, sensivelmente dos cinco anos, não deve reforçar, mas sim atenuar o animismo.

O Espelho mágico da ursinha Lola





















Nova Estória ****
Sai na Revista "Coisas de Criança" em Novembro.
texto: Alice Laranjeira
ilustrações: Patrícia Sousa